segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Se eu não acabar o ano, como eu digo para os meus alunos, com a boca espumando e o olho torto, acho que por um bom tempo: andarei de bicicleta, subirei no pau de sebo, tomarei banhos de mar.

domingo, 28 de novembro de 2010

e que ninguém me venha com palavras de consolo...

MARTHA MEDEIROS

Muito carinho
“Tenho muito carinho por ti”.Como é que é? Ela leu o cartão de novo, desde o início: “Fique bem. Tenho muito carinho por ti. A gente se vê. Beijo.”Carinho? Depois de três anos de namoro, depois de 19 finais de semana na praia, depois de algumas dezenas de jantares românticos, depois de ter dado a ele um notebook de Natal, depois de tê-lo apresentado à família, depois de ter perdoado aquele torpedo de uma tal de Samanta, depois de ter tosado o cabelo só porque ele adorava sua nuca, depois de ter esperado ele sair de todos os seus plantões, depois de ter feito uma tatuagem a pedido dele, depois de sonharem juntos com uma viagem a Europa, depois de terem colocado um anel de compromisso, depois de todos os “eu te amo” que nunca foram economizados, ele vem agora dizer que sente muito carinho por ela? Pois que embrulhe esse carinho e mande por Sedex para sua tia do Espírito Santo. Que coloque todo esse carinho numa vasilha e deixe no quintal para matar a fome daquele seu cão sarnento. Que mande esse carinho para os desabrigados do Haiti, que ponha esse carinho numa mala e despache para onde houver uma guerra civil. Quem precisa do carinho desse traste? E então ela triturou o cartão até virar farelo de papel e jogou tudo pra cima. E eles caíram sobre sua própria cabeça, ficou parecendo caspa, uma cena deprimente que nem sei.Tudo porque mulher é assim mesmo, não quer saber de nenhum tipo de consolação. Ai de quem lhe oferece carinho depois de já ter se declarado apaixonado. Fale em carinho para sua ex e cometa o pior dos insultos. Se não sente mais amor por ela, então sinta raiva, ódio, asco, deseje matá-la, esganá-la, qualquer coisa que a faça sentir o gostinho de ainda perturbá-lo, de ainda lhe dar trabalho, só não venha com essa conversa de samaritano. Se não sente mais paixão, então suma e dê a ela o benefício da dúvida: será que ele sente saudade, será que ele ainda pensa em mim?Dizer que sente carinho é colocar uma pá de cal no passado, é como dizer que ela hoje tem a mesma importância que o hamster da vizinha, que lembra tanto dela quanto lembra de um moleque que estagiou no escritório oito anos atrás, que o carinho que sente por ela é mais ou menos como o carinho que sente por um blusão que ganhou no seu aniversário de 16 anos. Seja homem.Torça para que ela se mude para o interior do Alasca, que engorde e não entre mais em nenhuma calça jeans, que ninguém a procure no Facebook nem a siga no Twitter, mas não venha dizer que sente muito carinho depois de todos aqueles amassos e juras de amor. Não seja tão cruel sendo assim tão bom moço.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Eu quero a paz mundial e quero ler o pequeno príncipe. Não, não preciso ser miss.

Só não quero esse aperto no coração. Aguenta firme, Vó! Fica boa logo, por favor.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Ei, eu quero crescer! Por que é tão exaustivo e dói?

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A vida vem sempre nos presentear com novas descobertas, e como já disse, aprender é uma das coisas que mais prazer me dá.
Tenho descoberto o mundo da literatura infantil com 30 crianças, e é como se eu fosse a de número 31.
Quando estou lendo com eles, é tão clichê eu dizer isso , mas é tão verdadeiro, a empolgação de conhecer novas histórias é tanta que é como se me reencontrasse com a infância que ainda me é tão presente.

Hoje descobrimos uma poesia linda do Pedro Bandeira.

O meu velho

Atrás do rato
tem sempre um gato.
Atrás do gato
tem sempre um cão
Atrás do cão
tem um menino.
E atrás dele
tem sempre um pai.

Pai,
mesada,
abraço,
puxão de orelha,
castigo,
mas pai.

O rosto arranha
com a barba,
mas pai.

Não pode jogar bola
comigo,
está ocupado,
mas pai.

Atrás da mesada,
do abraço,
do puxão,
da ocupação,
do castigo,
do rosto,
do arranhão,
um pai.
Meu pai.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Há dias que a gente fica com coração apertado .

Fica boa logo, vó!

sábado, 18 de setembro de 2010

Enfim só
[Alone at last]

Enfim só
oi, tenho que ir
Eu me conheci há um ano, que susto!

Enfim só
Oi, tenho que chegar
Eu topei comigo há dois anos- que susto!

Como era a cara daquela menina
com que eu nunca casei
Voo para o futuro e a vejo com um carrinho de bebê
você não perdeu muita coisa, meu velho
você estaria num tribunal de indigentes

Examine o futuro
examine o passado
Aqui estou eu, enfim só
com a história acabada e amanhãs por vir
Eu testemunhei a invenção da bomba atômica
Eu vi minha própria morte
será que eu devia tentar evitá-la
E se conseguisse- será que eu podia viver para sempre
E jamais envelhecer e ser sempre saudável
Será que eu podia mudar nossa época e ficar muito rico
Será que a história mudaria porque eu a vi
Enfim só
Enfim só
Enfim só

Aqui estou eu , enfim só
uma cabeça sobre os ombros
pernas embaixo da bunda
à minha frente o futuro
Atrás de mim o passado
o presente se modificando sempre

Se eu soubesse o que podia fazer
um é um e dois são dois
Mas isso que vou atravessar é o tempo
Enfim só
enfim só
passado o futuro

sábado, 10 de julho de 2010

"E eu, uma mulher sorridente. Eu, com apenas trinta anos.E como o gato tenho nove vezes para morrer"

O caixão no tarot cigano significa renascimento. Há uns meses me veio esta carta em um momento auspicioso, como um sopro no ouvido.
Descobri-me de novo quando achei que já sabia de tudo : eu tenho sede de aprender... Cada lugar , histórias que ouço de estranhos, ou de crianças que me ensinam tanto.
Quero renascer por muitas vezes ainda, para enxergar o que me foi negado, para reinventar-me (sempre).

sexta-feira, 25 de junho de 2010

vale a pena assistir:

http://www.youtube.com/watch?v=O6mbjTEsD58&feature=related


Chimamanda Adichie: “O perigo de uma única história”. http://www.ted.com/talks/lang/por_br/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html Translated into Portuguese (Brazil) by Erika Barbosa Reviewed by Belucio Haibara
Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar "o perigo de uma história única".
Eu cresci num campus universitário no leste da Nigéria. Minha mãe diz que eu comecei a ler com dois anos, mas eu acho que quatro é provavelmente mais próximo da verdade. Então, eu fui uma leitora precoce. E o que eu lia eram livros infantis britânicos e americanos.
Eu fui também uma escritora precoce. E quando comecei a escrever, por volta dos sete anos, histórias com ilustrações em giz de cera, que minha pobre mãe era obrigada a ler, eu escrevia exatamente os tipos de histórias que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve. Comiam maçãs. (Risos da plateia) E eles falavam muito sobre o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido. (Risos da plateia), apesar do fato que eu morava na Nigéria. Eu nunca havia estado fora da Nigéria. Nós não tínhamos neve, nós comíamos mangas. E nós nunca falávamos sobre o tempo porque não era necessário.
Meus personagens também bebiam muita cerveja de gengibre porque as personagens dos livros britânicos que eu lia bebiam cerveja de gengibre. Não importava que eu não tivesse a mínima ideia do que era cerveja de gengibre. (Risos da plateia) E por muitos anos depois, eu desejei desesperadamente experimentar cerveja de gengibre. Mas isso é outra história. A meu ver, o que isso demonstra é como nós somos impressionáveis e vulneráveis em face de uma história, principalmente quando somos crianças. Porque tudo que eu havia lido eram livros nos quais as personagens eram estrangeiras, eu convenci-me de que os livros, por sua própria natureza, tinham que ter estrangeiros e tinham que ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar.
Bem, as coisas mudaram quando eu descobri os livros africanos. Não havia muitos disponíveis e eles não eram tão fáceis de encontrar quanto os livros estrangeiros, mas devido a escritores como Chinua Achebe e Camara Laye eu passei por uma mudança mental em minha percepção da literatura. Eu percebi que pessoas como eu, meninas com a pele da cor de chocolate, cujos cabelos crespos não poderiam formar rabos-de-cavalo, também podiam existir na literatura. Eu comecei a escrever sobre coisas que eu reconhecia.
Bem, eu amava aqueles livros americanos e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos mundos. Mas a consequência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam existir na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim foi: salvou me de ter uma única história sobre o que os livros são.

terça-feira, 22 de junho de 2010

de um crítico

"Ave, Saramago.que não descanses em paz, mas que continues na tua e na nossa memória, a luta pela boa literatura, a liberdade e um mundo com menos injustiças que este nosso."

sábado, 19 de junho de 2010

Nunca me esqueci da visão que tive da coroa do Camarote Real, no Teatro em Lisboa. De longe, uma maravilha. Quando olhei por debaixo, repleta de sujeira, teias de aranha… e logo aprendi: Para conhecer as coisas, há que dar-lhes a volta.
Sarmago

E ele teve de dar a volta.
Resta-me continuar a ler o melhor que deixou-nos.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

A vida em poesia

De uma aluna um tanto pedra bruta :

- "pensei em você no feriado. Queria te dar uma frô , mas onde eu moro não tem frô."

terça-feira, 25 de maio de 2010

A história da humanidade que me desculpe, mas eu prefiro poesia.

sábado, 22 de maio de 2010

Hoje minha avó faria 85 anos , nem sei mais o que é tê-la perto. Dizem que a pessoa que vai fica mais em paz quando o outro não sente, assim seja, mas estou me sentindo estranha por não estar um pouco dolorida . Ou talvez esteja.
Parece distante, as histórias , lembranças. O tempo vai deixando apenas uma suave lembrança, podia deixar mais. Queria algo mais vivo; sentir o cheiro, lembrar dos detalhes, das expressões. Doce ilusão.

terça-feira, 23 de março de 2010

À todos os laços desfeitos

A gente deixa sim, muito pouco de tudo no outro.
Na cama não tem rastros meus; as palavras se foram , ficaram perdidas no ar.
Ilusão a nossa, achar que a marca cravada no peito não sairia jamais.

Deixo então meus poemas , meu português correto, algo assim nem tão fácil de encontrar.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Não adianta correr,
apagar ,
fugir,
fingir,
mentir.
Não adianta.

o que adianta então?



"Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço.A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço dopoço você vai descobrir quê."

domingo, 14 de fevereiro de 2010

para algo que deixe saudade e se quebrou

CARTA ANÔNIMA

Para ler ao som de Melodia sentimental, de Villa-Lobos, cantada por Olivia Byington.

Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos, e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas são sempre bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra.
Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais freqüente, e me deixava irritado, agora não, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés delas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.) E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você — seria, seriam?
Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam uma nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito poder de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos mesmo meio tudo isso, não tem jeito, e tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olivia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Wim Wenders, mais Cecília Meireles que Nélson Rodrigues.
Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca na minha mão, eu toco na sua.
Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão Cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas Contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente mas penso tanto em você que na hora de dormirvezenquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo.
Caio Fernando Abreu
O Estado de S. Paulo, 16/3/1988

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Eu não enxergo mais o caminho, virou apenas alguma lembrança.
Eu só sei que sozinha não vejo mais o caminho que me leva a você. Não acredito mais, não é por mal . Talvez você ainda possa me mostrar, quem sabe?
Eu só não acredito mais.

sábado, 23 de janeiro de 2010

"Tem gente que está do mesmo lado que você
Mas deveria estar do lado de lá
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Tem gente enganando a gente
Veja a nossa vida como está
Mas eu sei que um dia a gente aprende
Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo"

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

"Ficar sozinho é para quem tem coragem.Eu vou ler meu livro Cem anos de solidão"

domingo, 3 de janeiro de 2010

Como ele me consola ...

EXTREMOS DA PAIXÃO

Caio Fernando Abreu

"Não, meu bem, não adianta bancar o distante
lá vem o amor nos dilacerar de novo..."

Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro (a) mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo (a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo (a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.
Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.
No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira:compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe,berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.
Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolos em face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.
Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.
Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.

O Estado de S. Paulo, 8/7/1986

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

I

Tenho esperado tudo tão pouquinho, tão pouquinho para não me decepcionar com a vida. Quando alguém passa e diz : ei, você é especial ! Me viro procurando o alvo. Chamam-me de pessimista, digo que tenho um combinado com o cosmo : me dá um pouco de paz que não preciso de muito mais.Logo ecoa uns versos na minha sabedoria “ – Alô, iniludível! O meu dia foi bom, pode a noite descer.” Sim, as coisas voltando para o seu devido lugar. Tudo é transitório. O tempo está girando .